UNIDADE 2

Epidemias e pandemias.

Um desafio para a humanidade

Todos sabemos o que é uma doença contagiosa porque é um facto da vida. Como vivemos em sociedade e mantemos relações estreitas com a nossa família ou amigos, estas coisas podem acontecer. Embora ninguém goste de estar doente e isso entristece-nos um pouco, são geralmente doenças leves e podemos combatê-las individualmente, com a ajuda do nosso médico.

Combater uma nova e grande doença é algo que todos temos de fazer juntos, como uma sociedade. Graças à ciência, ao conhecimento e aos esforços de muitos profissionais, conseguimos ultrapassar e pôr fim a algumas das doenças que tornaram as nossas vidas mais complicadas.

Um dos primeiros passos é conhecer as doenças que enfrentamos, para que possamos escolher as armas com as quais entrar em batalha.

Que papel têm os arquivos históricos em toda esta confusão? Uma muito importante, a de preservar os documentos que nos dizem em pormenor:

  • Como certas doenças apareceram em alguns territórios
  • Quais eram os sintomas destas doenças e a sua distribuição
  • Que medidas foram tomadas para refrear os seus efeitos e combatê-los
  • Que tratamentos médicos foram utilizados para os doentes
  • Quem foram as pessoas que fizeram esforços nesta luta

A forma como lidámos com as doenças epidémicas ou pandémicas nos tempos antigos tem muito em comum com o que podemos fazer hoje.

Agora toda a humanidade está combatendo uma doença que conhecemos como Covid-19. Porque está afetando quase toda a gente na Terra ao mesmo tempo, chama-se a isto uma pandemia. Mas… Será que sabemos exatamente o que isto significa?

SABIAS QUE…?

Trabalhar em conjunto para o mesmo fim

Neste projeto, muitos profissionais que trabalham no mundo dos arquivos na América Latina e na Península Ibérica encontraram documentos que relatam notícias de várias doenças que dificultaram a vida dos seus habitantes no passado: varíola, peste, lepra, febre-amarela, sarampo, poliomielite, cólera e malária.

Estes documentos descrevem situações complicadas e por vezes muito tristes. Mas também notícias esperançosas e exemplos de como as doenças foram combatidas até serem encontradas soluções definitivas.

O QUE É UMA EPIDEMIA? O QUE É UMA PANDEMIA?

QUEM SÃO OS CAUSADORES?

LAS MÁS MAIS FAMOSAS DA HISTÓRIA

OUTRAS DOENÇAS

E A LUTA CONTINUA

Unidad 1
BAIRRO DO PORTO DURANTE UMA EPIDEMIA


Epidemia de peste. 1899

Portugal. POR-07

Unidad 1
cenário de cura


Cultura Colima. 200 BC-500 AD

Museu da América.
Espanha. ESP.MA-03

Unidad 1
doente com tuberculose num hospital


Río Piedras. 1946

Porto Rico. PR-07

Unidad 1
CERIMÓNIA MACHITUN


Gravura com cerimónia de cura conduzida por um machi. 1871

Museu Histórico Nacional.
Chile. CHI.MHN-03

Unidad 1
doente com tuberculose na sua cama


Río Piedras. 1946

Porto Rico. PR-07

O QUE É UMA EPIDEMIA? O QUE É UMA PANDEMIA?

Dependendo da sua propagação e impacto num dado momento, as doenças mais contagiosas são classificadas da seguinte forma:

ENDÉMICAS: Doenças que são comuns ou sazonais numa região ou país, sem causar muitos conflitos. É um termo que nasceu há cerca de 200 anos, no século XIX, e deriva da palavra grega endemeîn que significa viver permanentemente num lugar

EPIDÉMICAS: Doenças facilmente contagiosas e que se espalham ampla e rapidamente por uma grande área, afetando um grande número de pessoas ao mesmo tempo. Assim, por exemplo, há epidemias de gripe. É uma palavra que vem do grego clássico e significa sobre (epi) o povo (demos).

PANDÉMICAS: Doenças epidémicas que se propagam para afetar praticamente toda a gente: todas (pan) as pessoas (demos). Esta palavra foi usada pela primeira vez no século XVII durante um surto agressivo de peste.

QUEM SÃO OS CAUSADORES?

Ilustración. Eli se protege con un escudo de conocimiento.

Estas doenças contagiosas são principalmente causadas por dois tipos de microrganismos: vírus e bactérias. Estes organismos vivos não são doenças em si, mas podem causá-las.

São seres microscópicos que precisam de outro organismo vivo para continuar a existir. Embora não tenham a capacidade de pensar, são concebidos para sobreviver e multiplicar-se, graças à sua capacidade de mudar e evoluir rapidamente. Normalmente encontram um equilíbrio em que sobrevivem sem afectar demasiado o hospedeiro, seja ele animal ou humano. 

Há muitos desses seres que vivem connosco há milhares de anos e produzem doenças leves que lhes permitem existir. São tão bem concebidos que conseguiram sobreviver sem que nos preocupássemos muito com eles, porque as doenças que causam são curadas pelas próprias defesas do nosso corpo.

Contudo, quando um novo microrganismo aparece, há mais problemas porque o nosso organismo tem de aprender a se defender contra ele, quer naturalmente, quer com a ajuda da ciência. Sempre foi este o caso: os primeiros contactos de seres humanos com uma doença causada por vírus e bactérias desconhecidos podem ter consequências graves. Certas situações de má higiene pública podem facilitar que certas doenças se tornem pandémicas.

Esta é a explicação científica, contudo, em cada época e cultura existem diferentes formas de compreender a doença e como lidar com ela que têm a ver com a forma como se compreende o mundo em que se vive.

AS MAIS FAMOSAS DA HISTÓRIA

Graças aos arquivos, sabemos que doenças viraram a humanidade de pernas para o ar durante séculos, e também que uma parte significativa da sua periculosidade se deveu à ignorância. À medida que a ciência evoluiu, o seu controlo tornou-se mais fácil e rápido.

Vamos dar uma olhada em alguns dos mais importantes.

Ilustración. La bacteria Yersina pestis

A peste

É uma doença muito antiga que tem sido mencionada em textos com mais de 1.500 anos. 

Demorou muito tempo para se descobrir o que a causou e como foi transmitida, mas hoje sabemos que a bactéria responsável é a Yersinia pestis e que teve origem em certos mamíferos, tais como camelos e cabras. A bactéria foi então transmitida aos humanos através de pulgas em ratos.

Foi identificada pela primeira vez no Egito e viajou várias vezes através do continente europeu até chegar à América, através de navios comerciais. Uma pandemia conhecida como a Peste Negra (1347-1353) era infame na Europa. 

Graças à melhoria das medidas de higiene pública e à descoberta da penicilina, a doença foi controlada e travada, e é agora quase inexistente. Uma vacina eficaz nunca foi desenvolvida, mas foram desenvolvidos tratamentos, incluindo antibióticos. 

Ilustracion. Eli nos cuenta las noticias del archivo
NOTAS DE ARQUIVO

Noticias sobre a peste

Na América, a peste circulou praticamente por todo o continente, onde chegou por navio proveniente da Europa, juntamente com outras doenças. Temos documentação de países como o México, Costa Rica e Colômbia, onde isto é relatado.

Na Península Ibérica, os piores efeitos ocorreram entre 1647 e 1653, embora existam registos nos arquivos de surtos de peste do século XV e bastantes crónicas durante o século XVIII.

Ilustración. El virus de la viruela

Varíola

Esta doença tem estado com o homem desde os tempos pré-históricos; pensa-se que tenha pelo menos 12.000 anos de idade. Tem uma origem viral. Devido a esta coexistência contínua, as comunidades em que já tinha ocorrido criaram certas defesas naturais e houve muitos casos assintomáticos.

A pesquisa contínua levou o médico inglês Edward Jenner a uma vacina em 1796. Gradualmente, a vacinação foi introduzida em todo o mundo e as infeções foram reduzidas ao mínimo. Em 1978, a doença foi considerada extinta e a vacinação contra ela já não era necessária.

Ilustración. João mueve una pila de documentos para archivar, mientras nos habla
NOTAS DE ARQUIVO

Notícias sobre a varíola

A varíola também teve um grande impacto nas Américas e nas Filipinas. A partir de 1520, após a chegada dos europeus, afetou particularmente a população nativa, que até então não tinha tido qualquer contacto com o vírus ou aquela variante em particular.

Os documentos dos nossos arquivos contêm muitos relatórios sobre a propagação da doença. São particularmente numerosos no século XVIII, quando se registou um surto muito agressivo em França. Foram tomadas fortes medidas de bloqueio para evitar que esta nova onda afetasse os territórios ibérico e americano. Vários documentos referentes a este evento podem ser encontrados na Colômbia e em Espanha.

A cólera

Também conhecida como doença azul ou doença negra, tem sido documentada desde o século V B.C. e é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a causa de pelo menos seis pandemias durante o século XIX em diferentes partes do mundo. Os seres humanos são os únicos seres vivos afetados. 

É causada por uma bactéria de origem marinha e a sua transmissão começou com o consumo de frutos do mar mal cozidos. As más condições de higiene na água provocaram a sua ampla propagação. 

As melhorias na higiene pública, juntamente com a compreensão do funcionamento da doença e o desenvolvimento de tratamentos, levaram a um número cada vez menor de surtos, apesar de ainda existir. O tratamento é por soro e antibióticos.

Ilustración. Yanet nos cuenta algunas noticias sobre la viruela
NOTAS DE ARQUIVO

Notícias dos tempos da cólera

Em 1865, após várias ondas de cólera e com a antecipação de que outra estava prestes a chegar, em Madrid (Espanha), foram tentadas novas medidas de proteção para a população. Foi proposta a realização de campanhas de informação sobre a matéria:

  • Higiene pessoal
  • Higiene em instalações públicas e alimentos
  • Melhoraram também a limpeza do sistema de esgotos

Ainda em 1991, no Brasil, encontrámos um documento confidencial sobre uma reunião envolvendo os ministros da saúde do Brasil, Argentina, Chile, Cuba e Espanha. Encontraram-se em Sucre para tentar combater as consequências de uma epidemia de cólera que estava afetando diferentes países naquela grande área. As principais causas que encontraram foram:

  • Serviços de saúde inadequados
  • Grandes bolsas de pobreza nas cidades
  • Falta de limpeza pública e sistemas de esgotos
  • Problemas no abastecimento de água potável
  • Sem cura e pouco tratamento

Gripe 

A gripe ou influenza é uma doença viral que tem causado várias pandemias ao longo da história. Todas elas têm o seu próprio nome e duraram aproximadamente dois a três anos.

A “Grande Influenza de 1918” é particularmente bem lembrada. Houve outras pandemias mais graves, mas é considerada a primeira pandemia global devido à sua grande propagação por todo o planeta.

Em muito pouco tempo, causou milhões de infecções em todo o mundo. Ficou conhecida como a “gripe espanhola” porque se pensava que tinha começado em Espanha. Hoje, no entanto, muitos cientistas concordam que os primeiros casos ocorreram nos Estados Unidos. A doença foi transportada por navio através do Atlântico por soldados americanos, já infectados, vindo para a Europa durante a Primeira Guerra Mundial.

O fim desta pandemia ocorreu em 1920, quando a população desenvolveu uma imunidade colectiva (rebanho), embora o vírus nunca tenha desaparecido completamente e continue a mudar regularmente. Em 1945, a primeira vacina foi aprovada. Actualmente é endémica e controlada com tratamento e vacinação anuais. 

NOTAS DE ARQUIVO

Notícias sobre a gripe

Graças à documentação, sabemos que a gripe de 1918 chegou à América do Sul vindo da Europa por navio. Um dos primeiros surtos está associado com a chegada do navio Demerara de Liverpool com destino a Buenos Aires. O navio fez várias paradas no Brasil, onde os passageiros doentes desembarcaram e iniciaram o contágio neste país. Uma lista dos passageiros deste navio pode ser encontrada nos arquivos brasileiros.

Em Porto Rico, há numerosos relatos de uma grave epidemia da doença entre 1934 e 1936, que afectou pelo menos treze aldeias. Dez novos médicos tiveram de ser contratados para cuidar de todos os pacientes. Mesmo antes disso, havia muito pouco pessoal para atender a todos. Em Aguadilla, havia apenas um médico para 25.000 habitantes. Além disso, o estoque de medicamentos estava esgotado.

A lepra

Também conhecida como hanseníase, é causada por uma bactéria e está connosco há muito tempo, há pelo menos 4.000 anos. Não é realmente contagioso porque a maioria das pessoas são imunes a ela, mas os seus sintomas são muito marcantes, afetando a pele e outras partes visíveis do corpo. No passado, criou um grande alarme social.

Durante séculos os doentes estiveram isolados num tipo de hospital chamado lazareto, com visitas muito restritas e um contacto mínimo com o que se passava fora das suas paredes. As condições eram duras para os doentes, que ainda podiam viver uma vida muito longa.

No século passado, foram feitos progressos no sentido de uma cura definitiva. É agora tratada com uma combinação de fármacos que reduzem os sintomas. A lepra continua ativa e todos os anos há novas infeções, mas já não é uma epidemia.

Ilustración. Eli nos cuenta estas noticias mientras sostiene un documento
NOTAS DE ARQUIVO

Notícias sobre hanseníase

Os arquivos chilenos relatam que esta doença foi um problema de saúde pública no território da Ilha de Páscoa durante os séculos XIX e XX.

Os arquivos portugueses contêm, por exemplo, planos para um hospital a ser construído na ilha de Faial em 1877. No Brasil, em 1967, foi planeada a construção de uma área especial para o isolamento de doentes de lepra no Hospital de São Camilo e São Luís em Macapá.

Outros países como a Colômbia ou o México também relatam casos e notícias sobre o estabelecimento de lazarettos.

Febre-amarela

É uma doença causada por um vírus que afetou uma grande parte da população em áreas do mundo com climas quentes e húmidos, em todos os cinco continentes.

O vírus é transmitido aos humanos por um mosquito cuja picada pode infectar vários indivíduos. Parece ter tido origem em África, mas o comércio de escravos e as viagens entre continentes a partir do século XVI facilitaram a sua distribuição global.

É uma doença que tem vários nomes. Quando pesquisamos os arquivos, encontramos dados sobre duas das mesmas doenças, mas enquanto na Espanha se chama febre amarela, em países como o México é referido como vómito negro, por causa de outro dos sintomas que produziu.

A febre amarela causou surtos epidémicos tanto na Europa como na América. Em 1937, Theiler desenvolveu uma vacina segura e eficaz. Mesmo assim, a doença não foi erradicada e os surtos continuam a ocorrer, mas estão agora disponíveis tratamentos para controlar os sintomas.

Ilustracion. Santi esta sentado mirando un libro
NOTAS DE ARQUIVO

Notícias da febre-amarela

No México, o vómito negro causou grandes problemas. Entre 1800 e 1815, os arquivos mexicanos registam a preocupação com a doença, a criação de hospitais para os infectados, e recomendações de tratamento médico.

OUTRAS DOENÇAS

Existem outras doenças do tipo epidemia que afetam a humanidade hoje em dia, não foram erradicadas, e a ciência presta especial atenção a elas. Quando são feitos progressos ou novas descobertas sobre as mesmas, as notícias são veiculadas nos meios de comunicação social, que são depois armazenadas nos arquivos e permanecem como fontes para o futuro. Entre as mais importantes, recordamos algumas delas:

Ébola: Embora sobreviva principalmente em África, é uma doença viral contagiosa que precisa de ser monitorizada. Foi detetada pela primeira vez em 1976. 

Gripe suína e aviária: estas são duas variantes da gripe que atualmente só afetam aves de capoeira e suínos. No entanto, como afetam animais que utilizamos como fonte alimentar, devem ser controlados e monitorizados.

SIDA: esta doença viral sexualmente transmissível é considerada pandémica porque está presente e ativa em todos os países. Existem agora tratamentos que permitem às pessoas com VIH viverem uma vida normal e evitarem a infeção. Há todas as indicações de que uma vacina eficaz poderá em breve estar disponível.

Zika: é o nome dado ao vírus que produz uma doença com sintomas semelhantes aos da gripe, mas que afeta o sistema nervoso causando fraqueza grave e paralisia permanente. Foi identificado pela primeira vez em 2007 e é conhecido por ser transmitido por picadas de mosquito e é também sexualmente transmitido entre humanos.

Poliomielite: esta doença viral é considerada endémica hoje em dia, porque continua a aparecer periodicamente em diferentes países em todo o mundo. Foi identificado pela primeira vez em 1840 e afeta particularmente os muito jovens. Provoca sobretudo infeções sem sintomas, mas por vezes evolui para uma doença muito grave. Atualmente, esta versão mais agressiva da doença foi eliminada através da vacinação, mas o vírus continua a circular.

Ilustración. João mira atentamente a través de una lupa
NOTAS DE ARQUIVO

Sempre atento

Alguns dos maiores surtos de poliomielite da história, tais como o da Argentina em meados do século XX, estão documentados.

Para além da documentação escrita, são preservadas fotografias que mostram algumas das medidas de saúde pública que foram tomadas e a campanha de vacinação.

E A LUTA CONTINUA

Além de tudo isto que vimos, a documentação nos nossos arquivos reflete a existência de outras doenças contra as quais tivemos de lutar durante muito tempo: sarampo, malária, meningite, tuberculose, bartonelose…. Formam uma longa lista de doenças que foram controladas, mas não eliminadas.

Estes documentos descrevem a doença, as medidas destinadas a prevenir o contágio e os remédios que foram utilizados. Contam histórias tristes, mas também formas de atuação que funcionaram e ajudaram a sobreviver a situações difíceis.

Em todas estas histórias encontramos uma coisa em comum: a luta de séculos tem como resultado que hoje estas doenças são muito mais bem controladas, que existem vacinas para deter os piores vírus e bactérias, e tratamentos ou curas para as doenças que causam.

Ilustración. Yanet nos cuenta las noticias de archivo mientras trabaja en su ordenador
NOTAS DE ARQUIVO

Outros velhos conhecidos

Sabemos que durante o século XVI houve epidemias de sarampo nas Honduras, Equador, México e mais tarde no Chile, onde é conhecido como alfombrilla. 

Outra doença que encontramos representada é a malária, causada por um vírus que é considerado tão antigo como a nossa espécie. Há muitas referências à mesma na documentação peruana.